A importância das vacinas, do SUS e dos cuidados com a Saúde

O médico Renato Kfouri, pediatra, infectologista e diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações, explica de forma educativa os atuais desafios no combate à Covid e da vacinação no Brasil.

O que é a BQ.1?
Renato Kfouri – O coronavírus é um vírus que sofre mutações que criam variantes. As que prosperam são justamente aquelas que deixam o vírus com melhor “fitness”, com capacidade de se ligar nas células respiratórias de transmissão de pessoa a pessoa. E ele ganha, a cada vez que uma variante se torna predominante, uma capacidade de infectar mais, principalmente por essa capacidade, mas também porque ela também adquire um escape da imunidade conferida, quer seja pelas vacinas que o indivíduo tomou quer seja pelas infecções prévias.
A BQ.1 na verdade é uma derivação da subvariante BA.5. Tem a Ômicron e a Ômicron tem subvariantes BA.1, BA.2, BA.4 e BA.5. E derivada da BA.5 veio a BQ.1. Essa terminologia a gente dá de acordo com os locais que acontecem as mutações.

Quais os sintomas?
Renato Kfouri – Os sintomas da BQ.1 são indistinguíveis de qualquer outra COVID-19. Não há como saber se você está com a variante a, b, ou c pelos sintomas.

As vacinas disponíveis ainda nos protegem dessa subvariante?
Renato Kfouri – As vacinas hoje disponíveis, desde que a Ômicron chegou, perderam muito de sua eficácia para as formas leves. Mesmo os indivíduos vacinados, que a gente não via se infectar, hoje se infectam. A Covid é uma doença que acomete todos vacinados ou não vacinados. A grande diferença é que os indivíduos vacinados têm um risco muito mais reduzido de desenvolver formas graves da doença. A vacina não tem mais a expectativa de prevenção da infecção, da transmissão, do adoecimento. Ela continua sendo extremamente eficaz, essa é a principal função dela hoje: prevenir as formas graves da doença para o indivíduo que está adequadamente vacinado (entende-se por isso quem tem no mínimo três doses, acima de 12 anos, todos com três doses, e acima dos 40 anos, em alguns estados acima dos 18 anos, já com a quarta dose).

Quais os cuidados que devemos ter neste momento?
Renato Kfouri – Toda vez que a gente tem um aumento de circulação do vírus é preciso reforçar um pouco as medidas, aumentando ou dando mais ênfase à lavagem de mãos, à máscara e ao distanciamento. Isso vale especialmente para aqueles de maior risco que, mesmo vacinados, em geral, as vacinas não têm uma boa performance: idosos, imunocomprometidos e grávidas. Esses precisam redobrar os cuidados, mesmo que vacinados, nesses momentos de maior transmissão. E, é claro, aqueles que estão sintomáticos precisam evitar de transmitir também usando máscara.

Por que B.Q1 está circulando no Brasil?
Renato Kfouri – As variantes vão circulando e substituindo as anteriores. A variante original já não circula mais, nem a alfa, nem a beta, nem a gama, nem a delta, nem a ômicron original, nem a ômicron BA.1, BA.2. Agora a que circula é a BA.4 que vai ser substituída pela BQ.1 provavelmente ou outra semelhante. Devemos lembrar que essas variantes vão substituindo e, nem sempre, nós temos muito mais variantes do que ondas. Isso quer dizer que nem toda variante se converte numa onda. Isso é uma conjunção de outros fatores. A BQ.1 já está demonstrando que encontrou uma população já vacinada há mais tempo, uma população que não está utilizando nenhuma medida de distanciamento, de máscara, e com isso ela conseguiu e está sendo protagonista e consequentemente trazendo um maior número de casos.

As vacinas precisam ser atualizadas?
Renato Kfouri – Desde que surgiu a Ômicron, entre dezembro e janeiro deste ano, já há uma necessidade evidente de a gente atualizar as vacinas com a variante Ômicron. As chamadas vacinas bivalentes já foram licenciadas, estão sendo usadas para doses de reforço nos Estados Unidos e na Europa e já estão sendo submetidas à avaliação para a ANVISA. As vacinas bivalentes da Moderna e da Pfizer são aquelas de RNA que têm na sua formulação o Coronavírus original e há também a variante Ômicron. Então você espera que com essa combinação, essas duas cepas aí na vacina, a proteção se dê com mais efetividade para a variante Ômicron também.

O que fazer para garantir a proteção dos bebês e crianças?
Renato Kfouri – As crianças precisam ser vacinadas. Infelizmente nós não temos vacinas ainda. O Ministério, para menores de 4 anos ou 5 anos de idade, não comprou vacina suficiente. Então, de 3 anos a 5 anos já não tem a Coronavac. Para menores de 3, menos ainda. Comprou só para crianças com comorbidade. É um enorme equívoco atrasar novamente a vacinação infantil. As medidas que comentamos continuam valendo para a proteção de crianças e adultos, mas é fundamental que a gente insista e cobre das autoridades do País a aquisição de vacinas para todos. Nós já temos há dois meses a aprovação pela ANVISA de vacinas a partir dos 6 meses e até agora não temos vacinas suficientes para todos.

Qual a importância do SUS no combate à Covid e demais doenças?
Renato Kfouri – O nosso Sistema Único de Saúde tem tido um papel crucial na pandemia. Através do SUS é que se disponibiliza vacinas, cria leitos, presta assistência àqueles que adoecem, compram os testes e fazem a vigilância. O sistema é bastante complexo e atuante e a pandemia mostrou a importância de ter um SUS forte com investimento nessa área para que a possamos enfrentar com mais celeridade e competência outras eventuais pandemias e as doenças endêmicas daqui mesmo.

A que se deve a reintrodução da poliomielite e de outras doenças no País?
Renato Kfouri – As coberturas vaci- nais em quedas colocam em risco as conquistas como a eliminação da pólio e do sarampo e todos esses grandes avanços que nós tivemos. Se nós baixarmos a guarda e o número de crianças vacinadas for insuficiente cria-se um ambiente propício para a reintrodução dessas doenças.

Sob um novo governo federal, quais devem ser as principais ações do Ministério da Saúde?
Renato Kfouri – Há uma promessa do novo governo de que vacina seria uma prioridade. Acho que investir em prevenção é sempre muito mais custo efetivo. Depois da água potável, nenhuma outra medida de saúde pública teve tanto impacto como as vacinas reduzindo mortalidade infantil e aumentando a expectativa de vida de todos nós. São inequívocos os benefícios da vacinação.

Como o senhor analisa o cenário brasileiro diante do atual quadro vacinal e qual a importância das estratégias de campanhas de vacinação no País para os próximos anos?
Renato Kfouri – É preciso fortalecer tanto as campanhas de vacinação quanto a vacinação de rotina. As vacinas precisam ser aplicadas de acordo com a idade cronológica, de acordo com as crianças completando o mês. E as campanhas são um instrumento de fortalecimento tanto para essas doenças sazonais, como a gripe, quanto para a Covid, mas especialmente também para recuperar atrasos vacinais. Tão importante ou mais importante que as campanhas é o fortalecimento da vacinação de rotina com campanhas, informação e flexibilização de horário de atendimento em postos de saúde para que todos possam ter a oportunidade de se vacinar.

Renato Kfouri, pediatra, infectologista e diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações.

Entrevista concedida à jornalista Susana Buzeli
(originalmente publicada no Jornal A Massa)